Longe de tudo / Longe de ti / Longe de mim / Perto de ninguém.
Talvez fale demasiado em vivências, apesar de tecer poucas páginas a respeito do meu passado. Até por acreditar no mundo literário e suas devidas paralelas - reais ou não. E assim desapareci entre árvores, plantas e flores, conforme relatos familiares. Tinha pouco mais de um ano de idade. Emudecido. Isso ocorreu quando nos mudamos para a casa nova. Me perdi deveras. Sei lá quantas horas demoraram no resgate. Ao me sentir livre das tristes convulsões da primeira infância, atropelei um automóvel veloz. Tentava atravessar, voando, a Santos Dumont. Cinco anos. Desmaiei, de novo. Tivemos a nossa casa completamente cercada para prenderem um homem só. O meu pai foi sequestrado e roubado do convívio familiar. Ainda uma vez, fiquei calado, brincando com soldadinhos de chumbo. Seis anos. O melhor amigo da escola, também com nove anos, foi atropelado por um caminhão. Morreu. Estava na minha casa, trocando gibis. Lembro o cuidado e o carinho da minha mãe. Da atenção de todos os meus irmãos, alguns já se foram. Lembro a segurança que nos passava o pai - embora ele mesmo estivesse em meio a intempéries. Lembro, sim! Principalmente dos tempos bons. Precisa ser desse jeito. Uma infância protegida. Deveria ser pra todos. Guardo com gratidão a única fotografia, em preto e branco, que me restou da época. Talvez traduza no presente uma forte experiência: ter passado exatamente seis anos na psicoterapia. A partir de então, carrego no bolso dois verbos aonde andejo. Racionalizar / Verbalizar. Gosto de descrever opostos, no entanto, como literatura. Fugas poéticas. Eis o título-tema do meu novo livro, Noturno Verbal. Talvez tenha encontrado uma justificativa plausível para coexistir em letras. Aprendiz de mim. O suficiente para perambular no rol dos anônimos estupefatos e cidadãos anestesiados, porque sobrevivemos milhões.
Elmo Wyse Rodrigues
Duas da manhã. Até que este texto foi rápido, dois dias.
Elmo Wyse Rodrigues
Duas da manhã. Até que este texto foi rápido, dois dias.