PRODUÇÃO LITERÁRIA
Eu preciso dizer. Em primeiro lugar um país deve prestar mais atenção
na produção literária. Outro dia falei numa professora que exigia na
redação início, meio e fim. No caso da poesia pode haver alguma
semelhança. Quando cheguei na Faculdade, faltei as primeiras ( ou
mais...) aulas de Português. O professor colocou no quadro: "fale sobre
São Bernardo". Bem na época que estavam eclodindo greves dos
metalúrgicos nas cidades ao redor da capital paulista. Escrevi sobre o
que estava acontecendo ao redor deste pequeno mundo, em vias de virar
democracia. Dias depois, ele, antes de entregar as notas, perguntou quem
era o Elmo. Bem, até que me provem o contrário, o Elmo sou eu. Me deu
zero, apesar de dizer que a redação estava bem escrita e tal. Ele queria
saber do Graciliano Ramos. Estou escrevendo agora para desmistificar a
tese de que poeta não pode se manifestar, salvo em versos. Se quiser,
deve. Até fantasiar. Vou contar uma coisa, no meu novo livro tem um
texto que fala ter perdido quarenta poemas. Mentira! Um escritor ou
poeta precisam inventar. Um dia li a notícia que o escritor mineiro
Roberto Drummond extraviou um romance inteiro, possivelmente numa mesa
de bar. Teve que escrever tudo de novo (vai saber se é verdade...). Mas
agora aconteceu. Perdi a metade do que já estava escrito a respeito de
como lidar com a escrita. Estava pensando algo parecido. Produção
literária parece um tema genérico. Como se eu tivesse essa capacidade de
falar nesses termos. Como já falei, perdi o que estava no rascunho do
blog (verdade!). Vocês já repararam que os escritores geralmente não
falam como surgem os textos? Quanto aos poetas, alguns dizem que os
versos nascem prontos. Não tenho essa capacidade. Conheço alguns casos.
NOTURNO VERBAL somente tem um poema assim. A explicação mais plausível
da poesia - acredito - veio do JUNG, quando falou que vem do
subconsciente. Depois há um trabalho entre a razão e o coração. Até hoje
ando nesse barco. Primeiro anoto tudo que me vem na cabeça. No outro
dia, tenho alguma coragem de dar uma olhada. Quanto menos mexer num
poema, melhor. Mas já mudei a ordem de estrofes, subtrai versos, fiz o
diabo. Outra coisa, sei de escola em defesa da tese que primeiro vem a
forma, depois a ideia. Não consigo. Acho brilhante quem consegue. Quanto
à forma, confesso não elaborar a priori. Não considero a minha poesia
autobiográfica. Minha vida pessoal é tão desinteressante. Jamais viraria
tema de literatura. Há digitais. No novo livro tem um poema que montei,
verso por verso. Detalhe: eles foram encontrados espalhados em vários
cadernos. Na adolescência, sim, se é muito autobiográfico. Certos jovens
escolhem o diário, outros a poesia. Eu escrevi recentemente um texto
dizendo estar vivendo a Idade Média. Alguém acredita? Poemas de amor.
Alguns estava pensando em situações que eu mesmo poderia viver,
hipoteticamente. Outros enamorados não poderiam? Em circunstâncias
especiais, descrevo realmente a condição de apaixonado. Posso? Vou ser
autêntico, como sempre sou. Por exemplo, gosto mais de ler poemas de
outros poetas. E falo sem essa coisa de pensar em escrever algo
parecido, ou por inveja. Por admiração, em nome da Arte. Já tive essa
coisa de sentar e crer no dia de escrever um poema. No livro anterior,
lembro de uns dez saírem assim. Hoje experimento do cotidiano um fato
virar frase, um ato virar verso. Antes, rasgava escritos que não
gostava. Na fase atual aproveito um ou outro verso que possam ser
substrato, em algum momento. Não acredito muito em metodologia para a
produção literária. Não estou defendendo a não-leitura; ao contrário,
defendo que o conhecimento só se adquire por uma leitura crítica.
Dependendo do livro, leio a mesma página, duas ou três vezes. E afirmo:
livro de poesia jamais cabe ser lido uma vez só. Vai mudando a
interpretação. Não defendo que poetizar seja algo como alienação
política. O poeta é contemporâneo, em metáforas ou não. Não gosto muito
de me manifestar politicamente via poemas, pois me consideram explosivo.
Prefiro o texto direto. Eu vou votar no Lula. Dizem que o
poeta é solitário. No meu caso, tenho momentos de solidão. Pesquiso,
estudo. Nas minhas relações pessoais até falaram que nos últimos dois
anos estaria deprimido, sem sair de casa, quando, em realidade, estava
debruçado e absorto neste novo projeto. Ainda circulando e conversando
com pessoas pela Cidade Baixa. Um fato: quando se escreve sobre solidão,
as pessoas têm mais interesse. Mas quem está na frente de um notebook
ou olhando um celular, horas a fio, não estará tendo solidariedade sobre
essa própria condição? Outro fato. Um poeta muito feliz não produz
poemas bons, segundo Mario Quintana. Ademais, no filme "The Wall" está
explícito, uma sociedade cínica não leva a sério quem expõe poemas.
Não estou nem aí para críticas. Sei me defender. Mas a coragem de se
expor é importante. Eu vejo nas redes sociais poetas iniciando
timidamente e, logo depois, escrevendo textos maduros. Outro dia estava
olhando o meu primeiro caderno. Tinha dezesseis anos. Vocês acham que
alguma coisa tinha um certo teor literário? Caros & caras, só
conheço Arthur Rimbaud que escreveu um livro aos dezoito anos, entrando
para a História. Aliás, o que é a Literatura, senão um esboço de páginas
humanas, entre primórdios, incerteza e plenitude?
Elmo Wyse Rodrigues