PEDRAS ROLANDO
Eu
sempre guardei um pedaço da adolescência. Uma parte é embarque. Por dentro geada. Nos anos 1960, porque
filho de comunista tinha de passar fome, lembro de
comer algum peixe com farinha mexida. O pão eu
dava pras tartarugas. Mas havia sonhos. Compensavam a tarde. A utopia
era filha das pedras e da lagoa. Tudo visto do meu quintal... O
horizonte fluía feito universo e
porta. Não tem como falar de um tempo AGORA. Tem como sentir infinitivo
clamor. Aqui sou leitor do livro das noites. Ele tem dois lados. A metade altruísta é nômade e chama. Uma necessidade existencial.
Bem ao certo, quem primeiro chegou: a solidão ou o rascunho do caderno? Eu
mesmo, professora. Desde então folhas e folhas mudaram em busca de um cifrado
diário. Foi só quando acordei que me vi numa geração. Daí entendi como podia
rolar uma pedra. O que crescia era humano por algumas horas. De tanto conter. Deve ser
porque é a vez de alguém perguntar. Qual gênero descrevo? Aos dezesseis sempre
soube. Aos dezoito declamava contos. Embora tédio, voava leve na narrativa do poema. Tinha dezenove. Aos vinte fui breve.
Cedo ou não, acomodei no fundo da mala a carta de despedida. Parecia tão longe a nova metrópole... Abandonei
a estrada, pois trocava sem saber de casa. Acabei parando entre cinzas, um quarto e o
neon. Longa a madrugada, não permitia a bonança. As horas de letargia - eis o que os hippies
chamavam de uma nova consciência. Comecei a regar a gota que vivia escondida na íris da alma. Por incrível o concreto
guarda, não seca; aguarda em gelo o despojo. Se chegar a idade, vou
decifrar a jornada. E não poupo advérbios. Um bom sujeito aos vinte e poucos. Tenho
tanta saudade. Não sofro mais, perdi a conta. Saberei me manter livre e calmo. Faz
tempo saí ileso dos versos para anônimo dar murros na frente do guarda-voz. Preciso novamente adolescer. Quantas
vezes omitia, tantas vezes dizia sequer resenhar a greta das ruas. O que ora apresento, com a devida permissão, é
o estrondo da buzina. Não devo calar se escuto murmúrios invadindo cidades,
se na batida do óbvio o carro atropela sensíveis sinais. Antes que berrem: olha
a bolsa e o capital, olha o bolso na capital - escrevo para preservar o lítio da lucidez. Lento e zen falo de cidadania. Um caminhante assumindo passagem.
Esmaguem a cólera. Alguém precisa falar. Há vozes na retina da multidão. E uma umidade brava no ar...
E.W.R.