quinta-feira, 12 de novembro de 2015

                                      PEDRAS ROLANDO



Eu sempre guardei um pedaço da adolescência. Uma parte é embarque. Por dentro geada. Nos anos 1960, porque filho de comunista tinha de passar fome, lembro de comer algum peixe com farinha mexida. O pão eu dava pras tartarugas. Mas havia sonhos. Compensavam a tarde. A utopia era filha das pedras e da lagoa. Tudo visto do meu quintal. O horizonte fluía feito subterfúgio e porta. Não tem como falar de um tempo AGORA. Tem como sentir infinitivo clamor. Aqui sou leitor do livro das noites. A metade altruísta é nômade e chama. Uma vontade existencial. Bem ao certo, quem primeiro chegou: a solidão ou o rascunho do caderno? Eu mesmo, professora. Desde então folhas e folhas mudaram em busca de um inútil diário. Foi só quando acordei que me vi numa geração. Daí entendi como podia rolar uma pedra. O que crescia era humano por algumas horas. De tanto conter. Deve ser porque é a vez de alguém perguntar. Qual gênero descrevo? Aos dezesseis sempre soube. Aos dezoito declamava contos. Embora tédio, seguia leve na narrativa do poema. Tinha dezenove. Aos vinte fui breve. Cedo ou não, acomodei no fundo da mala a carta de despedida. Parecia tão longe a nova metrópole. Abandonei a estrada enquanto trocava sem saber de casa. Acabei parando entre o cinza, um quarto e o neon.  Longa a madrugada, não permitia a bonança. Uma década de letargia: eis o que chamavam de uma nova consciência. Até as esquinas nos proibiam. Comecei a regar a gota que vivia escondida na íris da alma. Urbanamente o concreto guarda, não seca; aguarda em gelo o despojo. Se chegar a idade, vou decompor a jornada. E não poupo advérbios. Um bom sujeito aos vinte e poucos. Tenho tanta saudade. Não sofro mais, perdi a conta. Saberei ser livre e calmo. Faz tempo saí ileso dos versos para anônimo dar murros na frente do guarda-voz. Preciso novamente adolescer. Quantas vezes mentia, tantas vezes dizia sequer resenhar a greta das ruas. O que ora apresento, com a devida permissão, é o estrondo da buzina. Não devo calar se escuto murmúrios invadindo cidades, se na batida do óbvio o carro atropela sensíveis sinais. Antes que berrem: olha a bolsa e o capital, olha  o bolso na capital - escrevo para preservar o lítio da lucidez. Lento e zen falo de cidadania. Um caminhante asumindo passagem. Esmaguem a cólera. Alguém precisa falar. Há sombras e vozes na retina da multidão. E uma umidade brava no ar...

                    Porto Alegre, madrugada de fevereiro de 2011

                                               E.W.R.

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