sexta-feira, 14 de junho de 2013

                                               QUINTAL FECHADO


                                               Chegando no prédio voei para dentro de casa. Todo caminho eu escolho a rota. Não abri a porta. Sou feito de grades e aço. Na sobra, pura vidraça... Respirei na sacada comedido o ar. Escuto  a lua para elaborar  um texto.  Por que quando chego não vejo o relógio? Bem-vindos à sala. Olá, sofá arranhado. Patti Smith cantando. De novo só um antigo vinil. Não ouvir telefone. Uma regra básica. Ele conspira contra o silêncio, berço esplêndido da melodia.  Uma via da regra. Nem sempre deveria ter outra voz na mesma linha. Quando quero vou falando a esmo e rindo de nós. Fora da linha. Sou bem-humorado se me deixam falar. Falar para si é aprender a ouvir. Acabei no ditado uns rascunhos por não saber recitar. Um dia gritei tão alto, quando me dei conta  estava dentro da tevê.  Já me disseram que estou na fronteira. Pouco sei da loucura; o que sei sai translúcido. Eu não entendo por que no condomínio explodem portas e quebram janelas. Por isso não tenho agenda e me ajeito em cada lugar onde morei. Eu não sou daqui. E daí? Cresci na essência. Estou fora da casa e dentro de um apartamento. A serenidade vagamente lembro de cor. E foi pelas andanças tardias.  Gosto da vida. Não me levem a mal. Saber calibrar o açúcar do sal. Ao largo da culpa, pois não inventei a imperfeição. Com licença, é tão bom existir. Vou anotar.  Nem sei como trouxe quase tudo que pensava. Os cadernos estão comigo. Mas não me sinto dentro deles.  Não sou escritor da elite. Sou de bairro operário. Construí meu caráter alhures, mesmo sem ter  benesses da vida.  Quero passar, quem quiser que me leia. Se falar em política o poder e a grana podem mudar de partido.
 Eu não faço concessão porquanto a luta me chega em  ideia. Ser livre é isto, expandir a caneta, agrade ou não.  Se consigo acesso prefiro culturas. A erudição me chateia. Não a cultura que serve de estátua e não quer mudar. Este micro-ondas um dia arrebento! Primeiro vou aquecer um pouco do bife. Querem a receita do sucesso? Pão com bife. Depois coloco no prato um blues. Vou continuar a missiva. Trinta anos depois voltei a blefar no pife e na bolinha de gude. Verdade! Só não posso olhar dois Camus pela frente. Guardarei  na gaveta, os livros e os planos. Noite fechada. Sem despedida, larguei a escrita. Boa noite, solidão.

4 comentários:

  1. bom mesmo. "el hombre es el único dueno de si mísmo"

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  2. Obrigado, Marcelo. Que bela citação. Abraços, irmão!

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  3. "...Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento."

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  4. Tens razão, Janete. Aliás, mais uma vez...Nada mais posso declarar, salvo os reclamos malditos de quem quer o querer enquanto tudo, desde seja nada...

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