sexta-feira, 7 de junho de 2013

O que chamam de tarde...


O QUE CHAMAM DE TARDE...


O sol explodia o rosto. Acordei ao sul, extremo sul. Sem norte nem devaneios. Tomei o café costumeiro. Pão dormente mastigo. Alguém dormiu? Não eu. Nada de mais, nada de mal. A vizinha de novo bateu a janela. Bem na minha cara. Sol no rosto, vizinha na cara, desejo na pele. Mas hoje é dia. Mais um dia. De madrugada, semana passada, ouvi alguém uivar: os dias são todos iguais!... Eu ando achando, tola vidinha eu ando achando. Apressado e  cansado, sem ruptura nas ruas. É só ritual. Nada de menos. O todo do dia, neste quarto de hotel, anotei num diário, uma fração a mais.  Bairro a bairro, eu penso no mundo e quem pode mudá-lo - talvez de lugar. Ou da minha sala. Quem faz sentido, o que faz sentido nessa rotação? Com quem conversar? O elevador por andar me escuta. De concreto, poucas ruas vaguei. Há uma longa jornada. Depois te conto. Antes vou consumir a tinta da ribalta.  Um bilhete amassado. Camisa passada. Um pé na estrada. Outro amassando a pedra. O vento assovia. Amigo na esquina. Não tropeça no pé, meio-fio! Não faz notícia da queda. Eu só caio na estrada. Não preciso de lenço, Caetano. A garganta esgana. A cidade neblina o nobre ácido: de tão denso sobe em pó. Quem labuta nas cinzas, bem sabe: tudo que emana é calada manhã. Calma, soldado. Quem ousa das vielas gritar?  Sim, o silêncio é arte, Susan Sontag. O troco da fibra, se raspa e resmunga, é veia partida; invade e vaga a voz do porão. Um pé na estrada. Não posso parar. Se penso é tarde. Quando chega a tarde roda mesmice no filme das horas.  Rugas e olhos virados miram a noite do dia. Por que chamam de tarde o que está por nascer? Desde pequeno acreditei, o pescador recolhia na rede e guardava o tempo que sobrava no mar. Desaparecia nas luzes: coragem e luar. Hoje sobra no bolso o metal que me cobra o custo da vida. Quando acordo, é estranho, sou espelho de um tempo a velas. Ninguém apagou. Não há personagem que fale por si. Havia soldados de verde. Desses não quero lembrar. Quanto vale a saudade de um pai, um ideal que se foi? O futuro ficou. Ao olhar o presente rasgo rito e um terno; só não tenho o direito de fazer a leitura como se fosse a esperança  um excêntrico ato. Amargo e chumbo. Parto a memória, laço e novelo. Mas não vira herói quem tortura sementes. Enquanto turvo a vidraça, passa uma geração. Se penso que é tarde, não posso parar. Se me debruço na chuva, outros são girassóis. O cio da navalha afia a vertente, apura e gira o fio das ideias.  Escuta a via, rapaz. Abre o verbo e vem ver o corte da ordem. Deixa eu dormir acordado. O dia é longo, e fala por si.






2 comentários:

  1. "Deixa eu dormir acordado.".
    Essa é nossa frase pai, a que nos liga, onde somos cúmplices e as pessoas não compreendem. A minha admiração por ti explode de tanto orgulho!
    J.C.R.

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  2. Dona Jeana, sempre uma ótima observadora...Tens todo o direito. Afinal, quem projetou e finalizou o blog foste tu. Beijos.

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