O QUE CHAMAM DE
TARDE...
O sol explodia o rosto. Acordei ao sul, extremo
sul. Sem norte nem devaneios. Tomei o café costumeiro. Pão dormente mastigo.
Alguém dormiu? Não eu. Nada de mais, nada de mal. A vizinha de novo bateu a
janela. Bem na minha cara. Sol no rosto, vizinha na cara, desejo na pele. Mas
hoje é dia. Mais um dia. De madrugada, semana passada, ouvi alguém uivar: os
dias são todos iguais!... Eu ando achando, tola vidinha eu ando achando. Apressado
e cansado, sem ruptura nas ruas. É só
ritual. Nada de menos. O todo do dia, neste quarto de hotel, anotei num diário, uma
fração a mais. Bairro a bairro, eu penso
no mundo e quem pode mudá-lo - talvez de lugar. Ou da minha sala. Quem faz
sentido, o que faz sentido nessa rotação? Com quem conversar? O elevador por
andar me escuta. De concreto, poucas ruas vaguei. Há uma longa jornada. Depois
te conto. Antes vou consumir a tinta da ribalta. Um bilhete amassado. Camisa
passada. Um pé na estrada. Outro amassando a pedra. O vento assovia. Amigo na
esquina. Não tropeça no pé, meio-fio! Não faz notícia da queda. Eu só caio na
estrada. Não preciso de lenço, Caetano. A garganta esgana. A cidade neblina o
nobre ácido: de tão denso sobe em
pó. Quem labuta nas cinzas, bem sabe: tudo que emana é calada
manhã. Calma, soldado. Quem ousa das vielas gritar? Sim, o silêncio é arte, Susan Sontag. O troco
da fibra, se raspa e resmunga, é veia partida; invade e vaga a voz do porão. Um
pé na estrada. Não posso parar. Se penso é tarde. Quando chega a tarde roda
mesmice no filme das horas. Rugas e
olhos virados miram a noite do dia. Por que chamam de tarde o que está por
nascer? Desde pequeno acreditei, o pescador recolhia na rede e guardava o tempo
que sobrava no mar. Desaparecia nas luzes: coragem e luar. Hoje sobra no bolso
o metal que me cobra o custo da vida. Quando acordo, é estranho, sou espelho de
um tempo a velas. Ninguém apagou. Não há personagem que fale por si. Havia
soldados de verde. Desses não quero lembrar. Quanto vale a saudade de um pai,
um ideal que se foi? O futuro ficou. Ao olhar o presente rasgo rito
e um terno; só não tenho o direito de fazer a leitura como se fosse a esperança um excêntrico inverno. Amargo e chumbo. Parto a
memória, laço e novelo. Mas não vira herói quem tortura sementes. Enquanto turvo
a vidraça, passa uma geração. Se penso que é tarde, não posso parar. Se me
debruço na chuva, outros são girassóis. O cio da navalha afia a vertente, apura
e gira o fio das ideias. Escuta a via, rapaz.
Abre o verbo e vem ver o corte da ordem. Deixa eu dormir acordado. O dia é
longo, e fala por si.
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