sábado, 28 de junho de 2014

Deitava o mar sobre as pedras o seu pesar
Antecipando a frágil despedida na ressaca
Ardente de nossos lábios.
Sobre a terra ondeava a leniência do mundo
Ancorando conformada à presciência do amor;
Como o crepitar das ondas que derriba
O eterno sonho da espuma.
Nem mesmo tua alvura deteve o tropel da noite escura
Envolvendo em brumas o fulgor do farol distante.
Resignada, apressastes o passo, apurastes o gosto
E, sob o meu desgosto, tatearam o doce suor de tua fronte
Desdenhando o sacrifício antropofágico de tua inocência.
Na pressurosa palpitação do outono, decaímos.
Entrementes, sob o pálio estrelado da noite,
Era tempo em que todo o mar era o verde-mar de teus olhos
Na convulsão das linhas fugidias do horizonte.
Regressastes, convolando as monções
No orvalho da manhã desperta
Como a renitente lamparina que, lançada às águas,
Retorna descerrando os temores da partida.
E, ao suspiro da terra, pressagiando tua presença
Pressenti as minudências sinuosas de tua pele
Sob a nossa sombra insinuante;
Os sinais que carregas como um baluarte do destino;
As pálpebras onde, ternamente, abrigavas o bálsamo
                                                    [da espera fatigada].
Na antessala do reencontro, ambos, entreabrimos o relicário.



Poema 2

Ó, tempo inclemente, não permitas eu morra
                                                 [enquanto és].
Se não pelos verdes campos que vicejam,
No êxtase da estação, pela ária fremente
Dos amantes que arrebata a noite indolente;
Pelas paisagens que a friagem esculpe;
Pelo som gutural da onda que lamenta
O não-movimento dos arrecifes; pelo rio
Que caudalosamente passa, alheio à erosão
                                                 [da margem];
Pela arte que verseja; pelos seixos ocultistas;
Pelas folhas que balouçam pela umidade da
                                                           [terra];
Pelas paragens onde trina a morte - viúva voraz -
Ignorando o majestoso monumento que erige
O homem ao alentar a natureza morta.

               LEONARDO RODRIGUES GAUBERT


Leonardo Rodrigues Gaubert é poeta, advogado, compositor e integrante da banda de blues e rock CORSÁRIOS DO PARQUE.
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